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Stuttering

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Os pais e a Gaguez na criança.


A família e mais concretamente os pais são efectivamente o primeiro e mais importante grupo de socialização da criança, constituem o primeiro elo de ligação entre a criança e o novo mundo. É pois no seio da família e por intermédio das figuras mais relevantes da sua vida, os pais, que a criança recebe os nutrientes fundamentais para o seu desenvolvimento harmonioso, o carinho, o amor, a protecção, ou seja, todas as provisões físicas, sociais e emocionais essenciais para se tornar um adulto saudável e feliz. Este é na realidade um desejo partilhado por todos aqueles que são pais, a felicidade dos filhos.
Os pais amam, educam, cuidam do futuro, a partir do presente, dão um sentido à  vida dos filhos, ajudam no seu projecto, na conquista do seu lugar no mundo e assumem um papel sem igual na identificação de perturbações, concretamente na gaguez.
 
Olhar a Gaguez… 
A gaguez é  um distúrbio da fala, caracterizado por interrupções no discurso, bloqueios, repetições e prolongamentos de sons, sílabas ou palavras, que condiciona significativamente a vida da criança, provocando limitações e mesmo evitamento de determinados contextos sociais. As interrupções no discurso surgem frequentemente associadas a manifestações físicas, como o piscar de olhos ou o aumento da tensão muscular, conhecidos como comportamentos secundários. De etiologia multifactorial, as recentes investigações apontam para uma confluência de factores, concretamente neurofisiológicos, características genéticas, o processo natural de desenvolvimento, assim como o estilo de dinâmicas familiares.
Na verdade, a gaguez é particularmente dolorosa em situações de interacção social, na medida em que, comportamentos básicos inerentes a todo o ser humano, como apresentar-se a alguém, solicitar uma ajuda para encontrar uma morada, pedir um simples café ou falar ao telefone são vividos por quem gagueja com grande tensão. As implicações da gaguez na vida relacional, nas escolhas académicas e profissionais revelam a profunda influência que esta perturbação tem no sentimento de satisfação com a vida.
 
Desvendar os Mitos… 
Ao contrário da visão estereotipada presente na sociedade, não existe correlação entre a gaguez e a inteligência, estando também quebrado o mito que a ansiedade ou o nervosismo é responsável pelo aparecimento de um quadro de gaguez. Contudo, é indiscutível que a gaguez propicia o aparecimento de ansiedade e tensão, que tornam a pessoa que gagueja menos apta a responder de forma eficaz aos múltiplos estímulos do meio, nas mais diversas áreas da vida.
 
Será  Gaguez?  
Todo o processo de desenvolvimento do ser humano é pautado por avanços, retrocessos e mesmo algumas contradições. Assim, também no que se refere ao processo de aquisição da fala, nem tudo o que parece, efectivamente é, o que quer dizer que algumas crianças que apresentam dificuldades em falar e tendem a hesitar ou repetir determinadas sílabas, palavras ou frases, podem não ter um problema de gaguez. Na realidade, importa esclarecer que é natural no decurso da aquisição da linguagem, ocorrerem períodos de disfluência que apenas espelham uma nova etapa que a criança atravessa na aprendizagem da fala. Trata-se portanto de um período de disfluência normal, que inclui ocasionalmente repetições e porventura hesitações em algumas sílabas e palavras, que por norma tendem a aparecer e desaparecer, significando apenas que a criança está a aprender a manipular a fala de um modo mais complexo e elaborado.
No caso de persistência superior a 6 meses, a solução passa então por solicitar uma avaliação da criança, no sentido de despistar um eventual problema. A intervenção precoce é sem dúvida um dos instrumentos mais valiosos.
 
Como ajudar o seu filho?  
No caso das crianças que gaguejam torna-se ainda mais importante a preocupação com o processo de comunicação, ou seja, os pais devem ser bons comunicadores, privilegiar o contacto visual, os olhos nos olhos, sinais valiosos para a criança que gagueja que o seu “porto de abrigo” está atento ao que ela transmite. Neste sentido, é essencial mostrar à criança, não apenas por palavras, mas sobretudo pelos gestos, pelas expressões do olhar que se escuta activamente e atentamente o que ela transmite e que não importa o modo como o faz, mas sim a mensagem que expressa, a ideia ou a opinião.
Falar com calma, esperar uns segundos até responder a alguma pergunta da criança, introduzir no próprio discurso algumas pausas são de facto estratégias que se revelam de grande eficácia e que ajudam a atenuar sentimentos de tensão e frustração que aparecem frequentemente associados ao falar. Na realidade, estas estratégias contribuem de forma impar para que a criança se identifique com o seu interlocutor e naturalmente sinta uma menor tensão e ansiedade quando fala, pois também o “outro”fala calmamente. Cuidado com os exageros, falar como a criança, tentar imitá-la, não a ajuda de todo.
A tendência para completar as frases ou palavras da criança que gagueja ou mesmo falar por ela é de evitar, pois apenas concorre para aumentar a ansiedade e tensão associada ao falar, assim como conselhos aparentemente vantajosos como “tem calma”, “relaxa”, são de evitar.
Porque a família não se resume ao núcleo central formado por mãe, pai e irmãos, torna-se de importância vital envolver todos os membros da família mais alargada e mesmo amigos, o que significa que deve partilhar com eles técnicas, estratégias e ferramentas que podem ajudar o seu filho a encarar a experiência de falar, como algo positivo e gratificante. Neste aspecto, o terapeuta assume um papel valioso, pois melhor que ninguém pode transmitir-lhe estas informações e partilhar experiências.
 É verdade que todas as crianças precisam de tempo, para brincar, para dormir, para falar e para estar com os pais. No caso das crianças que gaguejam, o factor tempo ocupa de facto um lugar de destaque, tem de ser tratado com delicadeza, bom senso e equilíbrio, o que quer dizer que para a criança que gagueja, o tempo é vivido num compasso um pouco diferente e por isso mesmo, é vital dar à criança que gagueja um tempo sem restrições, que não obedeça a condições. É imperativo para a criança que gagueja, sentir que as pessoas com quem se relaciona, com quem comunica, têm disponibilidade para a ouvir. É fundamental que ela compreenda através do comportamento verbal e não verbal dos pais que não há pressa, que há tempo para comunicar e por este motivo é valioso que pais ou figuras substitutas promovam um período regular, criem uma espécie de rotina, uma “hora” em que mais nada importa, a não ser “estar” com a criança. Dar-lhe atenção exclusiva, sem divisões e tornar esse tempo, um espaço contentor, seguro, construtor de uma relação mais forte e estreita que permita à criança perceber que aqueles que são os seus modelos, as pessoas que mais ama, gostam de brincar, falar ou simplesmente ouvir.
É imperioso que os pais revelem de forma nítida, quer por palavras e mais importante ainda pela expressão do corpo, pelos olhos, pelo acenar da cabeça, por uma atitude e postura calma e tranquila que a gaguez do filho não incomoda e não condiciona a relação. É precisamente a sensação de que existe um espaço de tolerância, de respeito, de segurança, que permite à criança explorar o meio, experienciar, descobrir, sempre com a certeza que mesmo quando a gaguez surge, poderá sempre contar com este espaço de amor incondicional e aceitação total.

 
Dias Difíceis… 
Nestes dias em que a experiência de falar se torna particularmente difícil e mesmo angustiante, é absolutamente imperativo que fale com o seu filho, procure compreender o que ele gostaria de fazer em alternativa, outro tipo de actividades em que a fala não seja tão preponderante. É  também relevante transmitir esta informação ao educador/professor, na medida em que, também no contexto escolar, o professor deve falar com a criança e aferir que tipos de actividades alternativas poderiam ser usadas para envolver a criança. É ainda importante, tantos pais, como professores, perceberem de que modo a criança quer ser tratada nestes dias mais difíceis. Há crianças que se recusam mesmo a falar, outras que não gostam de ter um tratamento especial e existem ainda outras que preferem participar de modo espontâneo, o que quer dizer que falam apenas quando quiserem e se sentirem preparadas, dando sinal disso.
 
As interrupções… 
É comum nas crianças que gaguejam alguma tendência para interromper o discurso dos colegas e mesmo dos adultos, não querendo isto significar um comportamento desajustado da criança, mas sim um modo de facilitar o inicio do seu discurso, uma vez que são alvo de menos atenção, logo a tensão e ansiedade associada ao falar é também menos intensa. No entanto, é imperativo que as crianças que gaguejam aprendam as regras de uma boa comunicação, tal como as outras crianças.
 
Promover a Auto Estima… 
Todos precisamos de nos sentir importantes, competentes, agradáveis aos olhos dos outros e no caso das crianças que gaguejam é valioso fomentar as suas competências, mostrar-lhe, quer por palavras, quer por gestos, que o mais importante é o que ela diz, a sua mensagem, as suas ideias, as suas opiniões e que o modo como é expresso, é apenas um pormenor secundário. Elogie, incentive a partilha de ideias, crie oportunidades para experiencias de comunicação saudável, mostre que a gaguez do seu filho não o incomoda e que em nada limita a relação que tem com ele.
É essencial que o seu filho perceba que a gaguez não prejudica a qualidade da relação que tem com ele, por isso mesmo, apesar de fazer parte da relação, da comunicação, não deixe que a gaguez comande. É fundamental que mostre, que verbalize confiança nas capacidades de comunicação do seu filho, que lhe transmita segurança, pois só desta forma ele não vai receio de falar e de eventualmente falhar e falhando, sabe que poderá sempre contar com o seu apoio para voltar a tentar.

Tratamento.
A terapia da Gaguez tem como meta central ajudar a criança. Aprender uma forma mais fácil de falar, com recurso a técnicas e ferramentas que são ensinadas no processo de terapia. Um dos objectivos centrais da Terapia é  ajudar a criança a ser um melhor comunicador, com confiança nas suas competências e habilidades, capaz de controlar as emoções negativas que muitas vezes surgem como fruto da incapacidade de falar fluentemente. O importante é promover sentimentos positivos em relação à  comunicação e intensificar o interesse no processo de comunicação. Porque a gaguez é sem dúvida um problema que condiciona a vida, faz brotar sentimentos de auto desvalorização, frustração, vergonha e limita as interacções sociais, a facilidade de estabelecer relações, é ideal intervir o mais precocemente possível, evitando assim um futuro que se vislumbra desenhado com muitas condicionantes, escolhas académicas e profissionais limitadas, dificuldades escolares, identidade negativa e estigmatização social.
 
O Futuro… 
Como já  foi dito, a gaguez nada tem a ver com inteligência e não é  produto da ansiedade e também é verdade que muitos nomes conhecidos da história das artes e da política eram gagos e são até  hoje recordados pela sua inteligência, criatividade, enfim pelo seu sucesso.
A gaguez não tem de interferir negativamente na vida, uma vez que a terapia da gaguez concorre de modo significativo para a atenuação e mesmo eliminação, em alguns casos, da gaguez e das suas implicações negativas. É  também ponto assente que existem períodos da vida, em que o desenvolvimento da criança acontece a um ritmo mais rápido, o que quer dizer também que qualquer intervenção nesta fase mais precoce tem maior probabilidade de sucesso. Contudo, nunca é tarde e a realidade é que a terapia da gaguez tem elevadas taxas de sucesso em crianças e adultos.
A abordagem multidisciplinar, que congrega os conhecimentos e competências de todos os agentes de socialização da criança, pais, educadores, professores, em colaboração com terapeutas e psicólogos é efectivamente de um valor impar. É desta forma, conhecendo o mundo da criança e identificando as implicações que a gaguez tem para a sua vida que é possível assegurar o sucesso da terapia e contribuir para um desenvolvimento harmonioso da criança.
Afinal o que se pretende é que o futuro seja risonho para estas crianças, não percam oportunidades, não tenham medo de novas experiencias, não evitem e fujam de desafios, mas olhem para si mesmas com a crença de que são capazes e competentes para realizar todos os seus sonhos e concretizar todos os seus projectos.
A gaguez poderá  continuar a fazer parte da vida, aprende-se a lidar com ela, mas não se permite que ela volte a tomar o poder que antes tinha e para isso vocês pais, são fundamentais, pois o sucesso deste processo conta de forma única com o vosso apoio e envolvimento.
 
 Terapeuta da Fala Gonçalo Leal e Psicóloga Sónia Serrão

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