Em As Pequenas
Memórias o senhor diz que, assim como Leandro o senhor teve os seus toques de
dislexia. O que parecia ser algo incomum entre os escritores, hoje parece muito
frequente, considerando o número de autores que confessa ter algumas dificuldades
com algumas palavras. Como o senhor analisa esse fenómeno e qual a importância que
ele teve em sua formação?
“Os meus problemas não foram os de uma simples e passageira
dislexia. O meu problema foi, e continua a ser, a gaguez. Aqueles que gozam da
sorte de uma palavra solta, de uma frase fluida, não podem imaginar o
sofrimento dos outros, esses que no mesmo instante em que abrem a boca para falar
já sabem que irão ser objecto da estranheza ou, pior ainda, do riso do
interlocutor. Com a passagem do tempo acabei por criar, sem ajuda, pequenos
truques de elocução, usar os bloqueios leves como pausas propositadas, perceber
com antecipação a sílaba onde irei ter dificuldades e mudar a construção da
frase, etc. Curiosamente, se tiver de falar para cinco mil pessoas estarei mais
à vontade do que a falar com uma só. Salvo em situações de extremo cansaço
nervoso, hoje sou capaz de controlar adequadamente o meu débito verbal. A
gaguez, no meu caso, passou a ser uma pálida sombra do que foi na infância e na
adolescência.
Aprendi à minha própria custa.”
José Saramago em
2006, Ao Estado de São Paulo.
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